A ORIGEM DUVIDOSA DE FUNDOS AO PRA-JA E O SILÊNCIO DAS INSTITUIÇÕES – HENDA YA XIYETU

Um empréstimo de 3 milhões de dólares norte-americanos, concedido por um general reformado ao projeto político PRA-JA Servir Angola, tem suscitado mais interrogações do que explicações. E não se trata de meras dúvidas administrativas — são questões sérias que, num verdadeiro Estado de Direito, já teriam desencadeado investigações formais e, eventualmente, ações judiciais.
Conforme divulgado pelo portal Club-K, foi o próprio Tenente-General na reforma, Isaías Sambangala, quem revelou ter emprestado essa quantia ao projeto liderado por Abel Chivukuvuku. Segundo o militar, os fundos foram usados na aquisição de viaturas e no apoio à estrutura organizativa do partido. A origem do dinheiro, segundo adiantou, estaria na venda de um centro comercial pertencente à sua empresa, ID Sambangala, localizado próximo ao Hospital Geral de Luanda.
Apesar da tentativa de justificar a operação como um ato pessoal e desvinculado de qualquer apoio institucional, o empréstimo levanta sérias preocupações jurídicas, éticas e políticas agravadas pela ausência de fiscalização por parte das instituições competentes.
E onde estão as instituições de fiscalização do Estado?
Aqui na Alemanha, o caso Christian Wulff ilustra bem o poder da mídia e as consequências de um financiamento obscuro. Em 2008, enquanto Primeiro-Ministro da Baixa Saxônia, Wulff contraiu um empréstimo pessoal de € 500 000 junto a Edith Geerkens esposa de um empresário amigo com taxa de juro favorável e sem garantias formais de reembolso . Em dezembro de 2011, o tabloide Bild tornou público o contrato e investigou se ele havia omitido essa informação ao parlamento estadual . Quando as denúncias vieram à tona, Wulff pressionou o editor-chefe do grupo Springer, tentou impedir a cobertura e acabou tornando o caso ainda mais visível . Sob a persistente pressão da imprensa e com a confiança popular abalada, Christian Wulff renunciou ao cargo de Presidente da República Federal da Alemanha em 17 de fevereiro de 2012.
Este episódio evidencia o papel essencial tanto da imprensa pública quanto da privada em expor questionamentos não esclarecidos, fornecendo as bases para que as instituições competentes como Ministério Público, órgãos de controle e tribunais de contas possam agir, investigar e escrutinar as suspeitas que circulam no debate público.
1. A origem do dinheiro: de onde vem e para onde vai?
O General afirma ter obtido o dinheiro após a venda de um centro comercial da sua empresa. Mas não revelou quem comprou, em que banco foi feita a transação, nem se pagou os impostos devidos. Esta falta de transparência pode configurar violação do Artigo 104.º da Constituição da República de Angola (CRA), que determina o dever de todos os cidadãos contribuírem para as despesas públicas de acordo com a sua capacidade contributiva.
Além disso, o Artigo 21.º, alínea e) da CRA impõe ao Estado o dever de promover a transparência na vida pública e combater a corrupção e os abusos de poder. Se um cidadão, especialmente uma figura com passado militar, movimenta milhões sem escrutínio, então algo está a falhar gravemente.
2. Empréstimos privados a partidos: legal ou manobra?
Um partido não é uma empresa. Não gera lucros. Logo, como vai o PRA-JA reembolsar 3 milhões de dólares? Se depender do Orçamento Geral do Estado, então o empréstimo pode ser considerado um investimento com retorno via fundos públicos — o que é ilegal.
Segundo a Lei dos Partidos Políticos (Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro):
• Artigo 31.º: Os partidos políticos devem declarar todas as receitas e despesas.
• Artigo 33.º: São proibidas doações anónimas ou de entidades privadas que não sejam divulgadas publicamente.
Logo, se não houver uma declaração formal desse empréstimo com origem e condições claras, poderá tratar-se de um financiamento político ilícito, punível com sanções legais e até com a perda de mandato dos seus dirigentes.
3. Possível Branqueamento de Capitais
O Artigo 2.º da Lei n.º 34/11 – Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo considera como suspeitas:
• Transações em numerário ou valores elevados sem justificação clara;
• Operações feitas fora do sistema bancário formal;
• Negócios que envolvam pessoas politicamente expostas.
Ora, um General reformado é uma figura exposta. E um partido político é uma entidade vulnerável a ser usada como meio de branqueamento. Por isso, o Estado devia agir através da UIF (Unidade de Informação Financeira) e da PGR para investigar.
4. Responsabilidade do Estado e das instituições
O Artigo 2.º da CRA define Angola como um Estado Democrático de Direito, onde todos os cidadãos são iguais perante a lei e as instituições funcionam para fiscalizar os atos públicos e privados.
O silêncio da PGR e da Autoridade Tributária diante deste caso é, por si só, uma omissão grave. Num país sério, haveria:
• Auditoria às contas do partido;
• Abertura de inquérito ao General;
• Suspensão de qualquer uso dos fundos até esclarecimento total da origem e destino.
Para reflexão: perguntas que não se querem calar
Antes da conclusão, é importante deixar no ar as questões que, até agora, ficaram sem resposta — e que qualquer cidadão atento deve continuar a fazer:
• Quem comprou o centro comercial e por quanto?
• Houve pagamento de impostos pela transação?
• Em que banco foi feita essa transferência milionária?
• O partido declarou este empréstimo como manda a lei?
• Qual é a fonte futura de reembolso desse valor?
• Se o partido não gera receitas, irá recorrer ao Estado para pagar a dívida?
• O empréstimo esteve condicionado à legalização do partido?
• Este apoio configura influência política disfarçada?
• Estão as instituições públicas a cumprir o seu papel fiscalizador?
• O cidadão está, sem saber, a financiar este “empréstimo”?
5. Conclusão: o povo serve quem?
Se o partido PRA-JA começa a sua trajetória sustentado por um empréstimo de origem controversa, com ausência de transparência, isso levanta sérias dúvidas sobre a sua independência, a ética dos seus dirigentes e a sustentabilidade do seu projeto político.
Como dizem nas ruas: “O garçom é que está a ser servido.” E o prato, quem paga, pode muito bem ser o povo.
“Sou apenas a moldura que não precisou tornar-se quadro para ter valor.”