A ESCOLA DEMOCRÁTICA DE MWANGAY: AS LICÇÕES DA DEMOCRACIA INTERNA NA UNITA- HITLER SAMUSSUKU

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A democracia interna é uma das expressões mais sofisticadas da vida partidária. Refere-se ao conjunto de práticas, regras e mecanismos que permitem aos membros de um partido participar efetivamente nas suas decisões, escolher seus dirigentes, deliberar sobre os rumos políticos e garantir o pluralismo de ideias dentro da própria organização. Em termos práticos, ela se manifesta nas formas de eleição interna, na transparência dos processos, na liberdade de expressão entre as bases e na alternância de poder. Quando bem estruturada, a democracia interna não apenas fortalece o partido, mas também serve de termômetro da saúde democrática de uma nação.

No cenário político angolano, a UNITA tem sido um caso paradigmático de amadurecimento democrático. Nascida em 1966 como um movimento de libertação nacional contra o colonialismo português, transformou-se, ao longo das décadas, numa organização política resiliente, capaz de se reinventar diante das adversidades históricas. Depois de resistir ao monopartidarismo da República Popular de Angola (1976–1991) e à guerra civil, a UNITA consolidou-se como um partido político com vocação democrática. O seu primeiro congresso pós-guerra, em 2003, marcou o início de uma nova etapa institucional, regida por estatutos, regimentos internos e pelo respeito à Constituição da República. Desde então, todos os congressos têm sido marcados por disputas plurais e transparentes, com a presença de observadores externos, algo raro no contexto partidário angolano.

O congresso de 2019 foi talvez o exemplo mais emblemático dessa vitalidade. Cinco candidatos disputaram a presidência — Alcides Sakala, Abílio Kamalata Numa, Adalberto Costa Júnior, José Pedro Catchiungo e o falecido Raul Danda. O debate, transmitido ao vivo pela TV Zimbo, expôs ao público uma competição política de alto nível, em que a divergência não era sinônimo de divisão, mas expressão de maturidade. Adalberto Costa Júnior saiu victorioso, e, desde então, sua liderança tem simbolizado a busca por um partido mais moderno e dialogante.

Mas as dimensões da democracia interna da UNITA não se limitam ao momento eleitoral. Elas se estendem ao modo como o poder é partilhado dentro da organização. É emblemático o caso do relacionamento entre Adalberto Costa Júnior, presidente do partido, e Liberty Chiyaka, líder do grupo parlamentar: dentro da estrutura partidária, o primeiro é superior ao segundo; no Parlamento, as posições se invertem. O mesmo ocorre entre Chiyaka e Álvaro Chikuamunga, secretário-geral da UNITA. Essa sobreposição de papéis cria uma dinâmica de poder horizontal, baseada na cooperação e no respeito institucional — uma verdadeira escola de convivência democrática.

Em contraste, outros partidos angolanos ainda demonstram estruturas verticalizadas e autoritárias. O MPLA, fiel à tradição do “centralismo democrático” de inspiração leninista, mantém uma lógica de comando unidirecional, na qual o debate interno é frequentemente visto como ameaça à unidade. No Bloco Democrático, observa-se pluralidade, as convenções elegem separadamente o presidente, o vice e o secretário-geral, mas trata-se de uma excepção no panorama nacional. Já formações como o PRA-JA Servir Angola ou o Partido Liberal giram em torno da figura inquestionável de seus fundadores, enquanto o PRS e a FNLA enfrentam crises de legitimidade e conflitos internos que fragilizam suas estruturas.

Nesse contexto, a UNITA e o Bloco Democrático  emergem como instituições  em que a democracia interna não é apenas um princípio formal, mas uma prática vivida. Cada congresso ou convenção  reafirma a capacidade do partido de conviver com a diferença, de abrir espaço para novos rostos e ideias, e de demonstrar que a alternância é sinal de vitalidade — não de fragmentação. O congresso da UNITA marcado para novembro de 2025, já com dois candidatos fortes em disputa, promete mais uma vez oferecer ao país uma lição sobre o valor da pluralidade e da legitimidade construída nas urnas partidárias.

A trajectória da UNITA mostra que a democracia interna é mais do que uma questão de estatuto; é uma cultura política. Uma cultura que se aprende, se exercita e se defende todos os dias — e que, num país ainda em busca de instituições sólidas, talvez seja o legado mais importante que um partido pode oferecer à nação.

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