LUXO NA MISÉRIA: O COLAPSO DAS FORÇAS ARMADAS NO GOVERNO DO MPLA
Entre quartéis-fantasma, munições incendiadas e soldados sem fardas, o regime celebra 50 anos de independência com um exército desmantelado — e um povo humilhado.
Enquanto a elite desfila vaidades e slogans patrióticos, as Forças Armadas Angolanas (FAA) sobrevivem à míngua, desprovidas de alojamento, logística e dignidade.
A celebração dos 50 anos de independência transformou-se num desfile de luxo sobre a miséria — uma exibição despudorada da megalomania da classe dirigente.
Mas importa lembrar os feitos que construíram esta nação: quantos milhões de angolanos — e quantos dos nossos antepassados — tombaram contra a escravatura, a colonização, lutaram pela independência, perderam a vida na guerra civil e defenderam a paz? Quantos heróis anónimos deram a vida para que, meio século depois, o poder fosse capturado por um grupo que despreza o povo e a sua dignidade?
A questão impõe-se: que tem feito o poder para honrar essa linhagem de guerreiros, guerrilheiros e soldados?
Temos de honrar as nossas Forças Armadas, bastião da independência nacional e da soberania efectiva de Angola, num tempo de renovada cobiça por África.
Honrar as FAA implica modernizá-las, apontar os factores principais da sua degradação e impulsionar a sua reformulação patriótica.
Hoje, as FAA enfrentam três males estruturais: infra-estruturas degradadas, quartéis maioritariamente sem água canalizada; logística inexistente, reduzida apenas a uma parca alimentação; e transporte precário, que contrasta com as viaturas de luxo, topo de gama, atribuídas a generais.
De acordo com informações apuradas pelo Maka Angola, um pouco por todo o território nacional, a esmagadora maioria dos soldados das FAA vive em condições sub-humanas. Faltam quartéis minimamente habitáveis para um exército de mais de 120 mil homens e mulheres, incluindo os portadores de deficiência, semi-aquartelados na Funda.
Em meio século de independência, contam-se pelos dedos de uma mão as unidades militares construídas de raiz. Uma das raras excepções é a Unidade do Vale do Paraíso, a 15 quilómetros de Caxito, que alberga o núcleo duro das forças do Exército em prontidão para as Operações de Apoio à Paz.
Em 2009, uma empresa sul-africana construiu quartéis-modelo em Mavinga e no Likua, que neste momento apenas mantém uma subunidade de manutenção. Há cerca de cinco anos, o exército iniciou a construção de outro quartel modelo no Negage, mas a obra foi abandonada.
A degradação é tal que, só este ano, as FAA registaram dois grandes incêndios em paióis de munições.
O primeiro incêndio ocorreu em Janeiro, em Kadiaquixi (Kwanza-Norte), com 12 naves de munições totalmente destruídas. O segundo, em Abril, atingiu a Unidade de Reserva do Estado-Maior General, na Funda, Cacuaco (Luanda): arderam seis naves.
A depleção das reservas de munições agrava-se com o afastamento de Angola em relação à Rússia — o seu principal fornecedor — e a guerra que imobiliza a Ucrânia, o outro grande parceiro.
Até hoje, não há investigações conclusivas. Tudo é atribuído, de forma vaga, ao “mau acondicionamento” das munições — reflexo directo da ausência de infra-estruturas seguras e de planeamento militar.
Orçamento vs realidade: uma brutal contradição
Entre 2021 e 2025, o Estado angolano destinou oficialmente entre 7% e 9% do Orçamento Geral do Estado (OGE) à rubrica “Defesa, Segurança e Ordem Pública”, totalizando cerca de 8,9 mil milhões de kwanzas. Ainda assim, os soldados vivem em condições sub-humanas — a pergunta óbvia é: para onde foi esse dinheiro?
Em 2022 e 2024, essa rubrica não só foi protegida, mas premiada: o Governo gastou acima do aprovado, enquanto sectores como a Educação e a Saúde ficaram claramente aquém das metas orçamentadas. Ou seja, o regime corta na escola e no hospital — mas nunca no quartel, mesmo quando esse quartel é de pau-a-pique, de chapas ou arde e os soldados continuam descalços.
No primeiro semestre de 2025, o executivo gastou quase o dobro em Defesa do que em Educação, confirmando que a prioridade real do OGE continua a ser a máquina de defesa do regime — e não a dignidade do cidadão nem a integridade das próprias tropas.
A precariedade atinge níveis grotescos. A Região Militar Kwanza-Bengo, sediada em Malanje, não tem quartel regional. O comando opera em duas casas inacabadas confiscadas no âmbito da “recuperação de activos”. O novo Comando está a recomeçar praticamente do zero.
Em Junho, soldados da 21.ª Brigada, em Camaxilo (Lunda-Norte), protestaram contra o abandono a que estão votados durante a visita do chefe do Estado-Maior-General, general Altino Carlos dos Santos. Vivem em casernas de chapa de zinco, verdadeiros fornos durante o dia, e percorrem cinco quilómetros diários até ao rio para buscar água.
No transporte, o cenário é de colapso: as FAA não dispõem de viaturas de carga nem de transporte de pessoal. Há unidades cujos militares não recebem fardas nem botas há mais de dois anos.
Uma alta fonte militar, com profundo conhecimento do exército, traça um diagnóstico severo do estado actual da instituição: “Os soldados incorporados nas FAA devem ter, pelo menos, a sexta classe, para poderem acompanhar as novas exigências técnicas e de complexidade militar. São mais críticos e menos manipuláveis — como se viu nas eleições de 2022, quando muitos produziram votos nulos.”
A fonte explica que o moral da tropa é impossível de avaliar enquanto persistirem carências básicas: fardas, botas, camas, colchões, cobertores, cacifos, casas de banho com água e refeitórios dignos. “Sem esses meios, nenhum comandante pode conquistar a confiança dos seus homens. Eles esperam que o comandante-chefe nomeie líderes capazes e íntegros.”
A mesma fonte acrescenta que desde há anos não se disponibilizam às FAA os meios essenciais, limitando-se a alimentação, fornecida de forma errática e de qualidade insatisfatória.
“Cerca de 90% do orçamento das FAA é absorvido por despesas com o pessoal”, explica. “Uma força mais enxuta, de 70 mil homens bem preparados e bem equipados, seria mais eficaz do que os mais de 100 mil actuais.”
“Qualquer negligência com as FAA é uma agressão directa à política de defesa nacional”, conclui. “É urgente elaborar uma Estratégia de Segurança Nacional dentro das nossas possibilidades e retomar o processo de reversão da pirâmide dos efectivos.”
O problema mais grave é que o índice de passagem à reforma de oficiais é superior à sua substituição por oficiais profissional e tecnicamente competentes.
A desestabilização do exército
Na véspera da inauguração da Refinaria de Cabinda, a Casa Militar distribuiu fardas novas ao efectivo local — não por necessidade, mas para compor a fotografia presidencial.
Entre 2014 e 2017, João Lourenço foi ministro da Defesa. Dele esperava-se sensibilidade e reforma. Hoje, como presidente, comanda um orçamento de defesa que continua a ser o maior do país, mas sem retorno visível para a tropa.
Temos, portanto, um poder autoritário que destrói, com soberba e corrupção, o principal pilar da sua própria estabilidade: as Forças Armadas.
Para onde vai o orçamento anual das FAA, que nem fardas e botas consegue garantir aos seus soldados? Qual é o verdadeiro estado da segurança nacional?
E, sobretudo: Quem atenta contra a segurança do Estado? Quem trai a pátria? Os governantes que deixaram o exército desmoronar-se, ou quem denuncia o abandono a que os soldados foram votados?
O contraste salarial é igualmente humilhante. O actual chefe do Estado-Maior-General das FAA, general de aviação Altino Carlos dos Santos, aufere um salário base de 760 mil kwanzas, o qual, com subsídios, atinge 1 milhão e 253 mil kwanzas (cerca de 1300 dólares) — seis vezes menos do que o Estado paga ao chefe do refeitório da Nova Cimangola, apenas por ser português. Um soldado ganha 117 mil kwanzas mensais. Estes dados revelam a inversão de valores e o grau de desprezo com que o próprio Estado trata as suas Forças Armadas.
Quando o Estado paga mais ao chefe do refeitório da Nova Cimangola do que ao chefe do Estado-Maior-General das FAA, está tudo dito.