A POLÍTICA RARAMENTE É TERRITÓRIO DA GRATIDÃO: A ORIGEM DA RAIVA DE ABEL TCHIVUKUVUKU
A ORIGEM DA RAIVA DE ABEL TCHIVUKUVUKU: BASTIDORES DE UMA VINGANÇA POLÍTICA
Março de 2023 ficará registado como um daqueles momentos simbólicos em que a política angolana se move mais por gestos do que por discursos. Nas comemorações de mais um aniversário do Galo Negro, a direcção da UNITA, pela voz e pela presença do seu presidente Adalberto Costa Júnior, apresentou publicamente Sampaio Mucanda, Lourenço Lumingo, Paulo Faria e Irina Diniz como novos militantes do partido. O acto foi celebrado como uma vitória estratégica, quase um troféu exibido à vista de todos.
Sampaio Mucanda e Lourenço Lumingo não eram nomes menores. Tinham sido representantes da CASA-CE e, mais tarde, do PRA-JA, respectivamente nas províncias do Namibe e de Cabinda. Nas eleições de 2017, ambos haviam conseguido, nos seus círculos provinciais, mais assentos parlamentares do que a própria UNITA. A sua entrada no partido do Galo Negro foi lida, por muitos, como uma victória sem precedentes históricos. Para outros, porém, foi o início de uma ferida mal cicatrizada.
Abel Tchivukuvuku, que os tinha como seus representantes locais, sentiu a cooptação como uma traição pessoal. A irritação transformou-se em ressentimento profundo, ao ponto de evoluir para uma animosidade aberta contra Adalberto Costa Júnior. Ironia das ironias: foi o mesmo ACJ que, em 2021, lhe estendeu a mão, salvando-o de uma provável extinção política.
A trajectória de Abel Tchivukuvuku é conhecida. Dissidente da UNITA em 2012, abraçou a CASA-CE, uma coligação que muitos analistas sempre viram como uma iniciativa forjada pelo MPLA para dispersar votos e confundir o eleitorado. A CASA-CE reunia partidos criados sob a sombra dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado, com o objectivo claro de fragmentar a oposição. Abel foi convidado a liderar o projecto, mas o regime impôs-lhe um vice-presidente, Miau, filho de um histórico dirigente do MPLA, para assegurar controlo político interno.
Em 2019, o mesmo regime afastou Abel da liderança da CASA-CE por via de uma decisão do Tribunal Constitucional. Sem base partidária e sem rumo, foi novamente a UNITA, sob liderança de Adalberto Costa Júnior, que lhe abriu uma porta de saída, criando a Frente Patriótica Unida, plataforma que uniu partidos e lideranças cívicas para disputar as eleições de 2022.
Mas a política raramente é território da gratidão. Em 2024, Abel Tchivukuvuku, visivelmente irritado com a direcção da UNITA pela cooptação dos seus antigos representantes, iniciou uma vingança silenciosa. Multiplicaram-se encontros discretos com a juíza presidente do Tribunal Constitucional, seguidos de contactos com João Lourenço e outras figuras do MPLA. Pouco depois, o seu partido foi finalmente legalizado, após ter sido chumbado por três vezes antes de 2022.
Legalizado o partido, Abel mudou o tom. Passou a exigir a formalização da Frente Patriótica, pressionou a UNITA a abdicar da sua bandeira e dos seus símbolos em nome da FPU e, no mesmo contexto, lançou um livro onde desrespeitava Jonas Savimbi, líder fundador e figura tutelar da UNITA. Exigiu ainda o alargamento e a reestruturação da Frente, num claro movimento para redefinir o centro de gravidade da oposição.
Em 2025, realizou-se o congresso que transformou o PRA-JA em partido político. Antes, porém, os seus representantes no parlamento, eleitos no quadro da FPU, decidiram abandonar os assentos parlamentares. A UNITA e o Bloco Democrático, respeitando a ordem de precedência legal, ocuparam os lugares vagos. O mal-estar foi imediato. Na leitura do PRA-JA, os deputados não haviam abandonado os mandatos, apenas os tinham “suspenso”. A lei, contudo, não contemplava tal figura. O resultado foi claro: os mandatos perderam-se e a UNITA e o Bloco Democrático reforçaram a bancada parlamentar.
A partir daí, Abel retomou a vingança silenciosa. Aliciou fracassado de filhos de Jonas Savimbi para o PRA-JA, cooptou um conhecido quadro do Bloco Democrático e trouxe para as suas fileiras o jovem Ary, até então secretário do BD em Luanda e assessor do Grupo Parlamentar da UNITA. Paralelamente, recrutou supostos activistas Kim de Andrade, Soba Catato, Sacatindi e Masta Ngola Vunge sem simpatia por Adalberto Costa Júnior, que deram início a uma guerra digital marcada por calúnias, difamações e fake news contra o líder da UNITA, ao mesmo tempo que anunciavam, com entusiasmo quase festivo, o fim da Frente Patriótica.
Como peça central do novo xadrez, Xavier Jaime, ex-militante do MPLA e apontado como possível agente do SINSE, foi indicado para vice-presidente do PRA-JA, repetindo o papel desempenhado outrora por Miau na CASA-CE. As suas entrevistas e intervenções públicas tornaram-se palco frequente de ataques à UNITA.
Serafim Simeão transformou sua página no Facebook em palco de ataques contra a UNITA. A ruptura tornou-se visível. Numa live sobre a situação política, activistas próximos de ACJ, ligados ao Movimento de Alinhamento, criticaram duramente Abel Tchivukuvuku. Uma das intervenientes, Denda angolana residente na Alemanha desde os anos 1990, proferiu ofensas directas. O PRA-JA interpretou o episódio como uma acção encomendada por Adalberto Costa Júnior. A Denda foi criticada por outros membros do painel pela forma como proferia as ofensas. Na TV Zimbo, Lindo Bernardo Tito, braço-directo de Abel, passou a explorar o tema em horário nobre, usando o espaço dominical para atacar a UNITA e o seu líder como parte de uma estratégia de vingança política.
Enquanto isso, no terreno, o PRA-JA arrasta multidões nas ruas de Luanda, engrossa fileiras com jovens muitas vezes pagos para compor o cenário dos comícios e passeatas. A sua legalização encaixa-se, para muitos observadores, numa estratégia do MPLA e do SINSE para esvaziar a popularidade da UNITA nas principais praças políticas. Ainda assim, o PRA-JA não consegue convencer a classe média, segmento decisivo para qualquer alternância de poder.
A UNITA, apesar de todos os ataques, continua a ser vista por amplos sectores sociais como a única força política capaz de substituir o MPLA, sobretudo com os olhos postos em 2027. O congresso recente que reelegeu Adalberto Costa Júnior e reafirmou a continuidade da Frente Patriótica caiu como um balde de água fria para o MPLA, para o SINSE e para o PRA-JA.
O partido de Abel Tchivukuvuku perde credibilidade quando dedica o seu tempo e energia a atacar a oposição em vez de confrontar o governo. Um povo cansado de cinquenta anos de má governação percebe rapidamente quem luta pela mudança e quem apenas disputa espaços no mesmo tabuleiro. Ao atacar a UNITA, o PRA-JA revela-se, aos olhos de muitos, indigno da confiança necessária para liderar um processo de transformação.
À UNITA cabe agora o desafio maior: convencer as elites angolanas da necessidade de uma mudança de regime, da viabilidade de uma transição política pacífica e responsável, da urgência das autarquias locais e da reforma profunda do Estado. Até aqui, o partido tem demonstrado maturidade, resistência e resiliência face ao fortalecimento do Estado autoritário. A par do Bloco Democrático, permanece como uma das poucas forças que fazem oposição efectiva ao MPLA. Os restantes, na percepção popular, limitam-se a ser cúmplices de um regime que o país já não suporta.
Por Hitler Samussuku