Moçambique e o Burquina Faso saíram da “lista cinzenta” do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI). Angola, não. Angola continua com um estatuto de quase pária na finança internacional.

Em Novembro de 2024, o ministro de Estado para a Coordenação Económica de Angola, José de Lima Massano, assegurava, ribombante, que o governo angolano pretendia retirar o país da “lista cinzenta” do GAFI num horizonte temporal curto. Angola tinha acabado de voltar à “lista cinzenta”, numa reviravolta negativa da sua credibilidade. Segundo o mesmo Massano, Angola já superara 70 das 87 deficiências identificadas pelo GAFI em 2023 – portanto, seria fácil regressar à normalidade financeira internacional.

Palavras vãs.

Um ano depois, Angola continua na “lista cinzenta”, enquanto países como Moçambique, África do Sul, Nigéria e Burquina Faso deixaram de estar sujeitos à supervisão reforçada, por terem implementado reformas substanciais nos seus sistemas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. Note-se bem: quer Moçambique, quer o Burquina Faso fizeram melhor trabalho que Angola.

É óbvio que Massano e os responsáveis angolanos deviam ter vergonha e demitir-se.

A manutenção de Angola na “lista cinzenta” do GAFI representa um alerta internacional sobre deficiências estratégicas nos mecanismos de combate ao branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e proliferação de armas de destruição maciça. Embora não implique sanções automáticas, essa classificação acarreta riscos reputacionais significativos, afectando a confiança dos investidores e parceiros internacionais.

 Países sob vigilância reforçada enfrentam maior escrutínio nas transacções financeiras internacionais, o que dificulta o acesso a financiamento externo, eleva os custos de crédito e reduz os fluxos de capitais. As instituições financeiras estrangeiras tendem a aplicar medidas de due diligence acrescida, tornando mais morosos os processos de transferência e importação, o que pode impactar negativamente a renovação de stocks e o abastecimento industrial.

Além disso, a permanência prolongada na lista atrasa investimentos estratégicos e compromete projectos de desenvolvimento, como alertou o FMI no caso de Angola, referindo os perigos que pairam sobre o Corredor do Lobito.

Esta permanência de Angola na “lista cinzenta” não é apenas um sinal técnico; é um reflexo directo da incapacidade do Estado angolano para cumprir a palavra dada, para transformar compromissos em resultados verificáveis e para enfrentar com seriedade os riscos reputacionais e financeiros que esta situação acarreta.

Na verdade, é mais do que isso. É o símbolo acabado de que os interesses da oligarquia predadora angolana que capturou o Estado se sobrepõem ao interesse nacional e ao bem comum. Para manterem as suas moscambilhas financeiras e os seus negócios obscuros, os oligarcas angolanos impedem que se esclareça quem é o dono real de quê e que se institua um sistema de fiscalização de capitais.

Preferem a opacidade e a falta de transparência, para beneficiarem de contratações simplificadas com empresas desconhecidas e para retirarem capitais de Angola sem controlo. Esta é a verdadeira razão para o fiasco do GAFI.

Basta ver o plano de acção acordado com o GAFI, que era claro e objectivo, para se perceber porque é que os donos do Estado evitam aplicá-lo. Angola comprometia-se a cumprir seis medidas fundamentais: 1) melhorar a compreensão dos riscos de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo; 2) reforçar a supervisão baseada em risco dos sectores não financeiros e das profissões designadas; 3) garantir que as autoridades competentes tinham acesso adequado, preciso e oportuno às informações sobre beneficiários efectivos, e que as violações às obrigações de transparência seriam devidamente sancionadas; 4) demonstrar um aumento significativo nas investigações e condenações por branqueamento de capitais; 5) demonstrar capacidade operacional para identificar, investigar e processar casos de financiamento do terrorismo; e 6) implementar um processo eficaz para aplicar sanções financeiras direccionadas sem demora.

Passado um ano, o balanço é desolador. Angola falhou em cumprir integralmente os seis pontos. A compreensão dos riscos permanece superficial e fragmentada, com avaliações desactualizadas e pouca articulação entre os sectores público e privado.

A supervisão continua fraca, marcada pela ausência de mecanismos eficazes de fiscalização e pela falta de pessoal qualificado. As bases de dados sobre beneficiários efectivos são incompletas, inacessíveis e vulneráveis à manipulação, e as sanções por incumprimento são raras ou inexistentes. No campo judicial, os avanços são mínimos.

Embora se registe um ligeiro aumento no número de investigações, os processos judiciais não avançam com a celeridade necessária, e as condenações continuam escassas. A capacidade de lidar com o financiamento do terrorismo permanece teórica, sem jurisprudência relevante nem estruturas operacionais adequadas. Quanto às sanções financeiras, Angola ainda não dispõe de um sistema automático e imediato para aplicar as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, expondo o país a riscos diplomáticos e financeiros significativos.

Facilmente se percebe quem beneficia com este incumprimento: os reis dos negócios obscuros com o Estado. A oligarquia do costume, que manda e desmanda.

E é por isso que se verifica um assinalável contraste entre o discurso oficial e a realidade institucional. O governo angolano insiste na existência de “vontade política” para cumprir o plano do GAFI. Mas vontade sem execução é irrelevante.

A ausência de resultados concretos, de reformas legislativas robustas, de capacitação técnica e de coordenação interinstitucional revela que essa vontade é, na melhor das hipóteses, simbólica. Na pior, é uma estratégia de distracção. A confiança internacional não se conquista com comunicados – conquista-se com provas. E Angola, até agora, não as apresentou.

A situação exige uma viragem institucional profunda. Para sair da “lista cinzenta”, Angola precisa de mais do que promessas. Precisa de reformas estruturais, de mecanismos de supervisão eficazes, de bases de dados funcionais e acessíveis, de autoridades competentes e capacitadas, de processos judiciais céleres e transparentes, e de sistemas automáticos para aplicar sanções financeiras. Sem estas medidas, o país continuará a ser penalizado nos mercados internacionais e a perder oportunidades de desenvolvimento.

Em última análise, a permanência de Angola na “lista cinzenta” do GAFI em Outubro de 2025 é um diagnóstico institucional, não apenas técnico. É o reflexo de um Estado que promete mais do que cumpre, que fala mais do que reforma, que subestima os custos da sua própria inércia e, sobretudo, que continua capturado por interesses privados. Se o governo angolano pretendesse recuperar credibilidade, precisaria de abandonar a lógica da promessa e abraçar a lógica da reforma — com resultados verificáveis, prazos cumpridos e compromissos honrados. Até lá, a “lista cinzenta” continuará a ser o espelho da incapacidade e da falta de vontade do governo em criar um sistema financeiro fiável.

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