JLO E ACJ: NÃO DESPERDICEM ESTE MOMENTO – KAMALATA NUMA

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A história política de Angola desde 1974 é marcada por uma sucessão de transições profundas — umas institucionais, outras armadas, outras inacabadas — que moldaram de forma determinante a trajectória do Estado e da sociedade. Ao analisar estas fases, fica claro que o país vive novamente um momento crítico, em que a responsabilidade das lideranças políticas, nomeadamente João Lourenço (JLO) e Adalberto Costa Júnior (ACJ), poderá definir o rumo das próximas décadas.

Quantas transições políticas foram feitas em Angola pós-1974?

Podem identificar-se quatro grandes transições estruturantes:

PRIMEIRA TRANSIÇÃO — 1974–1975: Da Administração Colonial ao Estado Independente

Após o 25 de Abril português, Angola entrou num período de governação tripartida (FNLA, MPLA e UNITA), rapidamente desfeito com o início da guerra pós-colonial.

A proclamação da independência em 1975, assumida unilateralmente pelo MPLA com a violação dos Acordos de Alvor, inaugurou Angola como Estado soberano pós-colonial.

SEGUNDA TRANSIÇÃO — 1991–1992: Abertura ao Pluralismo e Primeiras Eleições Gerais

Os Acordos de Bicesse (1991) estabeleceram a transição para o multipartidarismo, introduziram a Lei Constitucional de 1992 e permitiram a realização das primeiras eleições gerais.

A guerra foi retomada após o processo eleitoral — marcado por fraude, sabotagem das negociações, assassinato dos negociadores e pela não realização da segunda volta para eleição do Presidente da República.

TERCEIRA TRANSIÇÃO — 1994–1998: Acordos de Lusaka e Tentativa do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional

O Protocolo de Lusaka (1994) criou as bases para uma transição negociada, com desmobilização parcial, integração de forças armadas (FAPLA/FALA) nas FAA e tentativa de inclusão política. Foi, porém, uma transição incompleta.

QUARTA TRANSIÇÃO — 2002: Memorando de Entendimento do Luena — Transição para a Paz Definitiva

Com o fim da guerra após a morte do Presidente Fundador Dr. Jonas Malheiro Savimbi, o Memorando do Luena (2002) representou a transição para a paz militar e o início da reconstrução nacional.

Estas quatro transições moldaram a identidade institucional e política do país, mas nenhuma consolidou plenamente um sistema democrático funcional e inclusivo.

Afinal, o que Angola ganhou com essas transições?

Apesar dos enormes custos humanos, institucionais e económicos, cada transição deixou alguns ganhos estruturais:

PRIMEIRO GANHO — Consolidação do Estado Independente (1975)

Criação das instituições basilares do Estado.

Afirmação da soberania nacional e controlo do território.

SEGUNDO GANHO — Introdução do Multipartidarismo (1992)

Fim formal do sistema de partido único.

Alguma abertura para a sociedade civil e para limitada liberdade de imprensa.

TERCEIRO GANHO — Reintegração Nacional (1994)

Tentativa de reconciliação negociada, depois sabotada.

Integração parcial das forças militares no Estado.

QUARTO GANHO — Paz Definitiva e Reconstrução (2002)

Estabilidade militar e territorial.

Crescimento económico significativo entre 2004 e 2014.

Reintegração social limitada dos ex-combatentes do ELNA, FAPLA e FALA.

O problema central é que os ganhos políticos e institucionais não se transformaram devidamente em ganhos sociais, democráticos e económicos para a maioria dos cidadãos.

BALANÇO DOS 50 ANOS DE INDEPENDÊNCIA

Balanço Político

Consolidação formal do Estado, mas hegemonia continuada do MPLA.

Instituições frágeis, dependentes do poder político e com baixa transparência.

Oposição estruturalmente limitada, embora a UNITA tenha reforçado o seu peso desde 2017.

Balanço Social

Alguma expansão dos serviços básicos (educação, saúde, energia e água), porém com fortes desigualdades.

Persistência da pobreza, desemprego juvenil e vulnerabilidade social.

Balanço Económico

Período de rápido crescimento impulsionado pelo petróleo, mas sem diversificação profunda.

Modelo económico centralizado e dependente das importações.

Reformas recentes ainda insuficientes para transformar o sistema produtivo.

Balanço Cultural

Fortalecimento ainda insuficiente da identidade nacional e das culturas locais.

Progresso muito limitado das indústrias culturais e criativas.

O grande déficit dos últimos 50 anos permanece: falta de instituições democráticas robustas e de inclusão política plena, alimentando tensões profundas.

O momento actual: por que JLO e ACJ não podem desperdiçá-lo?

Angola encontra-se em nova encruzilhada histórica:

Cansaço social diante da pobreza e desigualdade.

Polarização política crescente.

Perda de confiança nas instituições.

Reivindicação popular por reformas democráticas profundas.

É neste quadro que o diálogo entre João Lourenço e Adalberto Costa Júnior assume valor histórico.

A Responsabilidade de JLO

Como Presidente e líder do partido no poder há 50 anos, cabe-lhe:

Garantir reformas eleitorais consensuais e credíveis.

Promover a abertura do espaço político.

Evitar instabilidade pré-eleitoral.

Demonstrar que o Estado está acima do MPLA.

A Responsabilidade de ACJ

Como líder da maior força da oposição a UNITA, herdeiro político de um movimento de resistência e alternativa, cabe-lhe:

Promover um discurso de reconciliação nacional.

Propor um Pacto de Transição Política Responsável para Angola (PTPRA).

Mobilizar a sociedade civil, partidos, igrejas e a academia.

Aproveitar as bases do Congresso Nacional da Reconciliação em Angola, criado pela Igreja Católica.

LINHAS DO PACTO DE TRANSIÇÃO POLÍTICA RESPONSÁVEL (PTPRA)

1. Reforma eleitoral consensual e transparente

Actualização do registo eleitoral.

Comissão Nacional Eleitoral verdadeiramente independente.

2. Garantia do Estado de Direito e respeito pelas liberdades civis

3. Mecanismos de governação inclusiva

Participação efectiva da sociedade civil e das forças políticas.

4. Reforço da descentralização e implementação das autarquias

5. Compromisso com a estabilidade, a paz e a unidade nacional

Se bem conduzido, este pacto pode representar o maior avanço institucional desde 2002.

JLO e ACJ não devem desperdiçar este momento histórico.

Angola precisa de líderes com visão, coragem e patriotismo — capazes de ultrapassar a lógica partidária e colocar o país acima da disputa. Os últimos 50 anos mostram que as transições só funcionam quando são inclusivas, negociadas e orientadas para o bem comum.

Hoje, mais do que nunca, é necessária maturidade política para garantir que o futuro de Angola seja definido pelo diálogo, pela responsabilidade e pela construção conjunta de uma democracia verdadeira.

Termino felicitando JLO, como Presidente da União Africana, pela posição firme e coerente na defesa dos interesses africanos perante a agressão da Rússia ao Estado Siberano da Ucrânia. Parabéns.

Haja patriotismo. Angola está — e deve estar sempre — acima de todos nós.

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