“MARROCOS ESTÁ DISPOSTO A COOPERAR COM ANGOLA E A PARTILHAR A SUA EXPERIÊNCIA E O SEU KNOW-HOW”

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A Festa do Trono e os 25 anos de reinado de Sua Majestade Rei Mohammed VI são marcos significativos para o Reino do Marrocos. Celebrada anualmente, esta ocasião simboliza a renovação do pacto constitucional entre o monarca e o povo marroquino, destacando a estabilidade e progresso que o reinado tem promovido.

Durante esse período, Marrocos tem-se notabilizado por uma série de reformas políticas, económicas e sociais, que não apenas fortaleceram o desenvolvimento humano, mas também posicionaram o país como um destaque na região. Nesta entrevista, concedida à Agência Angola Press e gentilmente cedida ao Jornal de Angola, a embaixadora do reino do Marrocos em Angola, Saadia El Alaoui, vai guiar-nos pelos principais acontecimentos destes 25 anos, destacando os impactos positivos nas relações bilaterais com Angola e as pers- pectivas futuras com iniciativas de cooperação, como a Iniciativa Atlântica e a diversificação económica.

 
Senhora Embaixadora, o Reino do Marrocos comemora o 25º aniversário do reinado de Sua Majestade o Rei Mohammed VI. Que significado tem esta data para o povo marroquino?

Para nós, marroquinos, esta festa é uma celebração enraizada numa tradição ancestral de renovação anual do pacto constitucional entre o monarca e o povo. Este pacto está enraizado na simbiose entre o povo marroquino e o trono Alauita, garante da continuidade, da estabilidade, da paz e do desenvolvimento social e económico do nosso país.

 
O que é que marcou os 25 anos de reinado do Rei Mohammed VI?

Efectivamente, trata-se da celebração de um quarto de século de reinado, durante o qual foi iniciado um longo processo de reformas nos domínios político, económico e social. Estas reformas são a chave da estabilidade do Reino num contexto regional frequentemente turbulento. O factor mais importante para o êxito destas reformas foi a tomada de consciência do factor de desenvolvimento humano.
Desde os anos 2000, sob o impulso do Rei Mohammed VI, o Reino do Marrocos adoptou uma abordagem pluridimensional do desenvolvimento sustentável em diferentes domínios de carácter estratégico.

 A visão real transformou a sociedade marroquina. Ao investir em projectos estruturantes da economia, privilegiando o capital humano e o seu desenvolvimento, Marrocos abriu caminho à emergência e à aceleração industrial, o que teve um impacto positivo nos fluxos de investimento estrangeiro. 

 
Pode falar-nos dessas reformas?

No plano institucional, o reinado de Sua Majestade abriu amplas perspectivas em matéria de transição para a modernização democrática através da organização de eleições livres e credíveis, do alargamento do âmbito da participação e da garantia da sua equidade, da promoção das liberdades públicas, da modernização da Justiça, da promoção dos direitos da mulher, nomeadamente através da adopção do Código da Família, que se encontra numa nova fase de adaptação às exigências da vida moderna, de forma participativa de todas as partes envolvidas.
Marrocos fez do Estado social, um pilar da sua política social durante este quarto de século, nomeadamente em termos de previdência social e de solidariedade; a generalização do Seguro de Saúde Obrigatório para todos é um bom exemplo.
Decidido a compensar as fragilidades causadas, tanto por factores internos como externos, Marrocos criou um novo referencial de desenvolvimento. Com efeito, uma Comissão Especial de carácter consultivo, criada em 2019, foi encarregada de elaborar com franqueza, audácia e objectividade o balanço das realizações do Reino e das reformas empreendidas, tendo em conta as expectativas dos cidadãos, o contexto internacional e as suas perspectivas de evolução.
Após dois anos de trabalho, em Maio de 2021, a Comissão apresentou à Sua Majestade, o Rei, o seu relatório sobre o Novo Modelo de Desenvolvimento, que define quatro eixos principais de transformação até 2035, sendo as palavras-chave: transformação estrutural da economia, reforço do capital humano, inclusão social e desenvolvimento regional.
No plano económico, tendo em conta as evoluções geoestratégicas e os desafios económicos e sociais, Marrocos valorizou as suas vantagens competitivas investindo em vários domínios, nomeadamente a Aeronáutica, a indústria automóvel, os novos ecossistemas, as energias renováveis, a indústria farmacêutica e química, a indústria naval, a indústria ferroviária, a agricultura, a pesca, a logística e transporte, a digitalização, I&D, o Offshoring, as novas profissões mundiais,. etc. Em suma, no desenvolvimento de clusters e nichos industriais.

Marrocos lançou a Iniciativa Atlântica, pode falar-nos desta iniciativa?

O Processo dos Estados Africanos do Atlântico (PEAA) é uma iniciativa Real que tem como ojectivo reforçar a integração e a cooperação entre os Estados africanos ribeirinhos do Oceano Atlântico com base na complementaridade e numa parceria vantajosa para todos, a fim de promover o seu co-desenvolvimento.
Sua Majestade o Rei Mohammed VI lançou, igualmente, uma iniciativa para facilitar o acesso dos países do Sahel ao Atlântico, a fim de apoiar o seu crescimento económico e as suas trocas comerciais e melhorar a sua integração na economia mundial.
Fala-se de uma estratégia marítima integrada e voluntarista e trata-se de um momento estratégico a não perder se a África aspira a tornar-se um verdadeiro sujeito/ contribuinte e não apenas um mero objecto na arena da cooperação e valorização dos espaços marítimos.

 
Marrocos-Angola

Senhora Embaixadora, o que podemos aprender com a antiga relação entre Angola e Marrocos, que remonta ao período da luta pela Independência?

Marrocos e Angola têm uma história muito antiga, cujos contornos são conhecidos, sobretudo pela geração que participou na luta pela Independência. Mas é pouco conhecida pelos jovens de hoje, tanto em Marrocos como em Angola. Temos o dever de informar e compartilhar essa história comum.
Tendo tido a sorte de se emancipar do colonialismo, no início dos anos 50, Marrocos não hesitou em prestar uma ajuda multiforme aos diferentes movimentos de libertação em  África.
Ouvi pessoalmente testemunhos orais do que o meu país fez em termos de solidariedade, tanto aqui como noutros países africanos.
No que diz respeito a Angola, é pertinente recordar que Marrocos foi o primeiro país que acolheu o Fundador da Nação Angolana, o Dr. Agostinho Neto, quando fugiu de Portugal em 1962, juntando-se a ele a sua pequena família. Centenas de militantes também passaram por Marrocos, onde foram acolhidos para, entre outras coisas, uma formação militar como outros militantes dos movimentos de libertação em África.
Aliás, a realização do primeiro Congresso da União dos Estudantes das Colónias Portuguesas, teve lugar em Rabat, em 1961, e Sua Excelência o antigo Ministro dos Petróleos, o engenheiro Desiderio  Veríssimo e  Costa foi o seu  primeiro presidente.
Em suma, Marrocos forneceu apoio logístico, formação aos activistas angolanos e até apoio diplomático, concedendo passaportes diplomáticos para facilitar a deslocação dos activistas angolanos pelo mundo para defenderem a sua causa.
Todos estes testemunhos são facilmente acessíveis graças ao documentário “Marrocos e os movimentos de libertação em África”, cujo realizador se deslocou até aqui, em 2019,para os recolher.
Como pode constatar, já naquela época,  as interacções entre os dois lados eram muito densas e multiformes, testemunhas de um tempo em que a solidariedade africana desempenhou, igualmente, um papel preponderante.

 
Pode falar-nos da nova dinâmica das relações entre Angola e Marrocos?

Voltando ao presente, é importante salientar, antes de mais, que a nova dinâmica que rege esta nova fase das nossas relações foi marcada por dois encontros significativos. O primeiro encontro  entre Sua Majestade o Rei e o Presidente João Lourenço teve lugar em 2017, à margem da Cimeira UA-UE, em Abidjan, e o segundo em Brazzaville em 2018, à margem da 1ª Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da Comissão do Clima e do Fundo Azul da Bacia do Congo.

 
A realização, em 2013, da 3ª Sessão da Comissão Mista Marrocos-Angola fortaleceu as relações entre os dois países. Que acordos foram assinados ou estão prontos para serem assinados?

O Ministro das Relações Exteriores, Sua Excelência Embaixador Téte António, conduziu uma importante delegação para a realização em Rabat, em Julho de 2023, da  3ª Sessão da Comissão Mista Marrocos-Angola, tendo em conta que a segunda Comissão teve lugar, em Luanda, em 2013.
A realização desta terceira sessão da Comissão Mista constituiu uma oportunidade para uma rica troca de pontos de vista sobre a evolução que conhecem os nossos dois países, a dinâmica das suas relações bilaterais e os desafios que se colocam a todos nós, a nível continental e internacional.
Nesta ocasião, foram assinados vários acordos e memorandos de entendimento que abrangem diversos domínios de cooperação, nomeadamente o Turismo, as Energias e Minas, a Educação, o Ensino Superior e os estudos diplomáticos.
Outros acordos, como os relativos aos serviços aéreos, não  à dupla tributação e à promoção e protecção dos investimentos, foram rubricados e estão prontos para serem assinados em breve.
Este quadro jurídico permitirá o desenvolvimento de uma cooperação económica mais aprofundada em vários domínios prioritários: a agricultura, o agroalimentar e o turismo.
A companhia Royal Air Maroc, que iniciou a sua actividade em 2012, retomou as suas ligações aéreas com Angola após uma interrupção em 2020 durante a pandemia. A rota directa Casablanca-Luanda é operada com uma frequência de 3 voos por semana. A RAM facilita não apenas as trocas comerciais, mas também as interações culturais, sociais e diplomáticas.
Importa recordar que a Royal Air Maroc foi a transportadora oficial da primeira edição da Bienal de Luanda em 2019, reforçando assim o seu envolvimento na promoção da cultura e das artes africanas.

 
No âmbito da diversificação económica, em que domínios Marrocos poderia cooperar com Angola ou partilhar a sua experiência?

Desde as décadas de 80 e 90, Marrocos atravessou uma fase de reforma dos fundamentos macroeconómicos, de construção de infra-estruturas e de melhoria do capital humano em termos de formação profissional e especializada, base essencial para a dinamização e diversificação da sua economia.
Esta diversificação da economia é hoje uma realidade numa vasta gama de sectores, desde a construção automóvel, actualmente, o principal sector de exportação, ao turismo, agricultura, pescas, produtos farmacêuticos, energias renováveis e aeronáutica. Grandes empresas mundiais como a Boeing, a Safran, a Hexcel, a Eaton, a Alcoa e a Stelia escolheram Marrocos como destino.
Evidentemente, Marrocos está disposto a cooperar com Angola e a partilhar a sua experiência e o seu know-how, bem como a sua competência na montagem técnica e financeira de grandes projectos, como o Porto de Tânger Med, uma das principais plataformas portuárias e logísticas de África e do Mediterrâneo, que integra toda uma zona franca de produção e de exportação que acolhe 500 empresas dos mais diversos sectores.
As energias renováveis representam outro sector promissor da cooperação entre Marrocos e Angola. Marrocos está na vanguarda da descarbonização e do hidrogénio verde. Como sabem, a descarbonização significa electricidade verde. Já, até ao final de 2023, 41% do mix eléctrico marroquino será proveniente de energias renováveis, nomeadamente eólica, solar e hidráulica, graças aos imensos investimentos de Marrocos neste campo. Marrocos tem como meta 52% até 2030 e está investindo maciçamente para atingir esse objectivo.
O objectivo de Marrocos é descarbonizar o mais possível e fazer das energias renováveis uma alavanca de desen- volvimento económico, com uma integração industrial horizontal e vertical através, entre outras coisas, do hidrogénio verde e dos seus derivados. O objectivo é produzir electricidade verde a um custo reduzido para atender as suas necessidades de desenvolvimento, e também para a exportação da molécula e da eletricidade. É por isso, aliás, que Marrocos atrai actualmente vários investidores.
O meu país sempre reafirmou o seu comprometimento, no âmbito da cooperação Sul-Sul, de partilhar suas experiências e sua pericia interna- cional no domínio dos fertilizantes, elemento essencial na agricultura angolana, com vista a melhorar a produtividade e a sustentabilidade dos solos e assim garantir a segurança alimentar.
Podemos nos inspirar nas histórias de sucesso da OCP África, que contribui para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável em todo o continente, ajudando a atender as necessidades imediatas dos agricultores e a consolidar seus conhecimentos através da pesquisa, educação e parcerias. O Grupo OCP, que opera no sector dos fertilizantes, pesquisa e inovação, está presente em 18 países através de 12 subsidiárias e 17 nacionalidades diferentes.
Mais de 400.000 agricultores beneficiaram de programas da OCP no Quénia, Nigéria, Gana, Togo, Burkina Faso, Senegal e Côte d’Ivoire, entre outros. Dito isto, embora já exista uma cooperação entre Marrocos e Angola, há ainda um grande potencial a explorar neste sector.

 
Marrocos concede bolsas de estudo anuais a Angola. Pode dizer-nos mais sobre este assunto?

Marrocos concedeu bolsas de estudo aos estudantes angolanos. Foi para mim um grande prazer conhecer tantos estudantes bem sucedidos, tanto do sector público como do privado. Para responder as necessidades específicas de formação de Angola, Marrocos diversificou a sua oferta em bolsas que abrangem novas áreas como os estudos médicos e paramédicos, Ciências Agrícolas e Veterinárias, Arquitectura… etc.
Estes estudantes que foram formados pelo meu país tiveram a oportunidade de conviver com os marroquinos, de descobrir e aprender a nossa cultura e costumes, que os torna embaixadores permanentes de Marrocos em Angola, e que lhes compete trabalhar para uma maior aproximação entre os nossos dois países.

 
Pode falar-nos da organização da Taça das Nações Africanas de 2025 e do Campeonato do Mundo de Futebol de 2030 ?

É verdade, o futebol é um fenómeno que afecta as pessoas de todo o mundo. De facto, o apoio dos adeptos africanos a Marrocos foi inigualável e tornou ainda mais intensa a aventura que vivemos no Campeonato do Mundo do Qatar.
É a primeira vez na história do futebol que um país africano consegue a proeza de chegar às meias-finais de um Campeonato do Mundo. Aproveito a oportunidade para felicitar a equipa angolana pelo feito de chegar aos quartos-de-final da CAN 2024. E quem sabe, talvez possamos assistir a um duelo Marrocos/Angola no jogo final da CAN 2025.
Além disso, Marrocos continua mobilizado para a execução de vários projectos de investimento e para a criação de todas as condições que garantam o pleno êxito da organização pelo nosso país da Taça das Nações Africanas de 2025 e do co-anfitrião do Campeonato do Mundo de 2030, tanto mais que esta edição coincidirá com o centenário deste evento mundial.

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