SUPREMO PREOCUPADO COM REDUZIDO NÚMERO DE CASOS JULGADOS EM ANGOLA

Os Tribunais julgaram pouco menos de dez casos de branqueamento de capitais, em todo o país, revelou ontem, em Luanda, o juiz conselheiro do Tribunal Supremo (TS) Daniel Modesto.
O juiz conselheiro, que discursava na abertura do seminário sobre “Investigação de Branqueamento de Capitais” para magistrados judiciais do país, no âmbito do Projecto PRO.REACT, financiado pela União Europeia (UE), salientou que estes números estão muito aquém do risco subjacente aos crimes de branqueamento de capitais constatados pelos organismos de avaliação.
“As estatísticas actuais dão conta de que o país melhorou no índice de apreciação de combate à corrupção, mas precisa, ainda, de se pôr em ordem face às recomendações do Grupo de Acção Financeira Internacional”, disse.
O magistrado referiu que apesar das diversas alterações legislativas, do incremento do número de juízes e funcionários judiciais, da nova configuração da organização e funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum, da implementação dos Tribunais da Relação, das acções formativas ministradas, as estatísticas actuais de casos julgados não parecem reflectir aquelas melhorias, face ao perfil de risco do país em Branqueamento de Capitais, percebido facilmente pelo número de casos julgados de crimes subjacentes.
O juiz conselheiro destacou que a participação dos tribunais no Processo de Avaliação Mútua tem sido bastante intensa e profícua, por meio da recolha, compilação e disseminação de dados estatísticos sobre a ocorrência de crimes de branqueamento de capitais, levada a cabo pela task force nacional do Poder Judicial, encabeçada pelo ponto focal do Tribunal Supremo.
Esta avaliação, acrescentou, contou com a colaboração da Unidade de Informação Financeira (UIF), composta por um grupo técnico que integra os juízes presidentes dos Tribunais da Relação e de todas as Comarcas do país, bem como por um subgrupo de técnicos.
O também presidente da Câmara Criminal do Tribunal Supremo falou das alterações introduzidas, desde 2010, no quadro legislativo e as melhorias no sentido de conformar e conferir maior eficácia ao Sistema Nacional de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição e, por conseguinte, obter resultados tangíveis ocorridos da actuação dos órgãos que compõem o referido sistema.
Como resultado da reforma do quadro legal, o magistrado judicial falou das alterações à Lei 05/20, do Código Penal, da Lei de Prevenção e Combate ao Terrorismo, da Lei de Cooperação Internacional em Matéria Penal, entre outras, adaptada à melhoria dos indicadores da conformidade técnica, bem como a aposta na divulgação de todas as instituições que constituem o sistema nacional, de matérias afins, com vista à melhoria da conformidade de eficácia do sistema.
Sobre a classificação obtida por Angola, na já referida avaliação mútua, conduzida pelo Grupo de Combate ao Branqueamento de Capitais da África Oriental e Austral (ESAAMLG), órgão do qual Angola é parte, o país demonstrou resultados aquém dos esperados, relativamente às recomendações do GAFI, que são os padrões internacionais para aferir quer a conformidade técnica, quer a eficácia dos países na prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, do Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa.
UE: “Ainda falta recuperar muito mais”
O chefe da Secção de Política, Imprensa e Informação da UE, Paulo Simões, destacou os importantes progressos que Angola tem realizado no sentido de se fortalecer e proteger contra os crimes em referência, bem como de se concertar com os países vizinhos e parceiros internacionais.
Contudo, o representante da UE, que destacou as várias conquistas alcançadas, com progressos na legislação e outros, referiu que permanecem ainda no sistema judicial debilidades preocupantes, que devem ser ultrapassadas e que há muito trabalho por realizar. “Foram recuperados montantes significativos, mas falta ainda aprimorar e recuperar muito mais, tanto no território nacional como no exterior. É necessário institucionalizar e implementar um mecanismo transparente e eficaz de gestão e aplicação dos activos recuperados, de acordo com as recomendações das Nações Unidas”, recomendou.
Paulo Simões destacou o trabalho que está a ser feito na melhoria da recolha e tratamento de dados, mas disse que é preciso aprofundar as estatísticas, como uma ferramenta essencial de trabalho e planificação, e também como um elemento fundamental de credibilidade da Justiça.
Sobre o ProReact, financiado pela UE, disse que já tem vindo a trabalhar neste processo de superação, bem como o programa AML Global Facility, ambos financiados pela organização que representa.
ONUDC e o reforço das capacidades
A coordenadora do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (ONUDC), Manuela Carneiro, destacou o papel fundamental que o poder judicial desempenha no combate a esta prática ilícita, interpretando e aplicando as leis contra o branqueamento de capitais e garantindo que os infractores sejam responsabilizados pelos seus actos.
Para Manuela Carneiro, reforçar as capacidades dos juízes é também vital para defender o Estado de Direito e garantir que a justiça seja administrada de forma imparcial e eficiente, assim como capacitar juízes é imperativo em qualquer sociedade para garantir uma justiça mais eficaz.
Segundo a coordenadora da ONUDC, a iniciativa, organizada em parceria com o Tribunal Supremo, visa capacitar 80 juízes angolanos em matéria de branqueamento de capitais, uma área crucial para o fortalecimento do sistema judicial e para o combate à criminalidade financeira.
Salientou que o reforço das competências e conhecimentos dos magistrados judiciais aumenta a confiança do público no sistema judicial e promove o sentimento de esperança e Angola, acrescentou, está empenhada em implementar as recomendações que constam no Relatório de Avaliação Mútua de Angola pelo Grupo Anti Branqueamento de Capitais para a África Oriental e Austral publicado em Junho de 2023, e as Recomendações do Grupo de Acção Financeira (GAFI).
“A parceria entre as instituições angolanas e a ONUDC é fundamental nesse processo, e estamos comprometidos em apoiar Angola nos seus esforços para fortalecer o seu sistema de combate ao branqueamento de capitais. No âmbito do projecto Pro.React, que caminha agora para o seu fim, já capacitamos investigadores do SIC e do SME e procuradores em todo o país.
Capacitamos supervisores e outras autoridades com poderes em prevenção e de detenção de branqueamento de capitais”, apontou, fazendo ainda menção sobre a sensibilização da sociedade civil, decisores políticos e estudantes das universidades do país, assim como a melhoria da cooperação entre os sectores público e privado, no âmbito da prevenção e do combate ao branqueamento de capitais.
Para a responsável, um quadro judicial sólido promove a confiança do público no sistema jurídico, assegurando aos cidadãos que os seus direitos são protegidos, que a estabilidade financeira é mantida e que a justiça é feita na luta contra o branqueamento de capitais e as actividades criminosas associadas.
O Pro.React é um programa financiado pela União Europeia e implementado com o apoio do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (ONUDC).