TRIBUNAL SUPREMO FAZ CINCO ANOS ASSOCIADO EM ESCÂNDALOS E DESCRÉDITO ATERRADOR

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Maior instância judicial de jurisdição comum em Angola acumula uma vasta nebulosidade, seu presidente tem à perna uma investigação na PGR, por suspeitas de crimes de enriquecimento sem causa, peculato, abusos de poder e de confiança. Importantes quadros da instituição foram demitidos em processos tomados por duvidosos, e o mais recente facto que volta a expor o nome do órgão é a frente que abriu em matéria jurídica ao não acolher a decisão do Tribunal Constitucional em relação ao caso 500 milhões.

O Tribunal Supremo, presidido pelo jurista Joel Leonardo, desde Outubro de 2019, por decisão do Presidente João Lourenço, tem acumulado passivos judiciais que podem vir a ser destapados no futuro com uma possível nova gestão do país.

Ao que se constata, tem havido muita agitação à volta das decisões do Tribunal Supremo, consideradas eivadas de injustiça e denegação. Por exemplo, em 2020, o Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), também presidido por Joel Leonardo, declarou Manuel Pereira da Silva ‘Manico’ presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), num concurso contestado até aqui por um dos concorrentes, o jurista Agostinho Santos, antigo juiz-conselheiro do Tribunal Supremo, e que participou no processo de criação do Tribunal Constitucional (TC).

Agostinho Santos queixa-se de ter havido imensas irregularidades quer no quadro da lei, quer em relação ao regulamento do concurso, que deixaram nítida a intenção de se fazer de Manico presidente da CNE.

Entre o rol de irregularidades, o juiz conta que o regulamento determinava que os candidatos devem apresentar certificado académico, e que em posição contrária, Manico, no período da abertura e encerramento da apresentação das candidaturas, era mestre a concluir o doutoramento, tendo por isso apresentado apenas uma acta da defesa de doutoramento, quando o regulamento “fala em certificado”. Outra suposta irregularidade apontada por Agostinho Santos tem a ver com a apresentação da declaração de desempenho dos últimos dez anos e de admissibilidade.

Embora o candidato derrotado tenha apresentado essas queixas, Manico foi aprovado. Inconformado, Agostinho Santos promoveu um processo junto do Tribunal Supremo (TS), mas passados 60 dias, não obteve respostas, e recorreu ao Tribunal Constitucional, que decidiu devolver o caso ao Tribunal Supremo, com a recomendação de decidir em 30 dias.

Face aos seus posicionamentos que percorrem caminhos opostos do da direcção do Tribunal Supremo, Agostinho Santos sofreu várias sanções, tendo inclusive o seu gabinete no interior do TS, sita numa zona de protecção presidencial, sido arrobando por pessoas nunca identificadas.

Por fim, acabou demitido da função pública. Outro quadro do Tribunal Supremo que também foi demitido do organismo é Domingos Feca, até 2022 coordenador do Sindicato dos Trabalhadores do Tribunal Supremo.

O académico, autor de várias obras de perspectivas jurídicas, foi expulso do quadro de pessoal por conta de publicações na rede social Facebook.

Associado a todos estes factos que põem em causa a imagem da maior instância judicial de jurisdição comum do país, o próprio presidente do tribunal, Joel Leonardo, tem à perna uma investigação na Procuradoria-Geral da República (PGR).

Investigação levada a cabo por peritos da PGR junto do TS, aponta haver indícios de cometimento de crimes de enriquecimento sem causa, peculato, abusos de poder e de confiança, bem como associação criminosa nos actos praticados por Joel Leonardo. No quadro do enriquecimento sem causa, entre outras acções, o relatório da PGR, que acabou por vazar, cita ter havido várias transferências monetárias “irregulares” da conta titulada pelo TS no BCI, a favor não só de Joel Leonardo, como também de outras individualidades do referido órgão.

“A investigação segue o seu curso, tendo sido possível apurar-se fortes indícios da prática de crimes, mormente através da realização de transferências a partir da conta bancária (…) titulada pelo TS, domiciliada no banco BCI, cujos assinantes credenciados para a sua movimentação são Joel Leonardo e Irina Apolinário (1.ª fase), Joel Leonardo e Fátima Ferreira (2.ª fase/actual)”, lê-se no referido documento.

De acordo com uma matéria do Novo Jornal, publicado no seu website a 29 de Julho de 2023, os altos quadros do gabinete do presidente do TS, admitem a existência de um processo de investigação junto do órgão, mas dizem-se tranquilos, e consideram que tudo o que se fala sobre Joel, resulta de um complô montado por pessoas “política e economicamente influentes”, visados em vários processos naquele tribunal.

Agora, um novo facto protagonizado pelo TS levanta questionamentos sobre o sistema judicial, e pode ter implicações no campo económico, face à sensibilidade dos investidores estrangeiros. Em causa está a decisão do TS em fazer descaso da observação do Tribunal Constitucional, entidade liderada por Laurinda Cardoso, que determinou ter havido inconstitucionalidade no acórdão do TS sobre o processo 500 milhões, que envolve José Filomeno dos Santos (filho do antigo Presidente JES), o ex-governador do Banco Central, Valter Filipe; o empresário Jorge Gaudens e António José Samalia, também do BNA.

No acórdão datado de 3 de Abril, o TC declarou “a inconstitucionalidade do acórdão (do TS) recorrido, por violação dos princípios da legalidade, do contraditório, do julgamento justo e conforme e do direito à defesa”, e devolveu o processo à instância de Joel Leonardo.

Entretanto, o TS decidiu manter a sentença anteriormente decretada.

Antigo Presidente da República confirmou ter ordenado transferência dos 500 milhões USD

De referir que, uma das inconstitucionalidades apontadas pelo tribunal de Laurinda Cardoso, tem a ver com o facto de o TS ter ignorado a carta enviada pelo antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, em que confirmava ter dado ordens para a transferência monetária em Londres, para um fundo que daria retorno para o país.

“Confirmo sim, ter autorizado o governador Valter Filipe a tratar das formalizações desse fundo de investimento. E também pedi que o mesmo fosse utra-secreto porque só depois é que seria formalizado publicamente”, lembrou José Eduardo dos Santo, na carta.

“Também pedi ao governador Valter Filipe para entregar todo o processo ao actual Presidente da República e ao novo Executivo”, acrescentou JES, tendo garantido que tudo foi feito em benefício do país, do interesse público.

Ainda de acordo com a carta, o ex-Chefe de Estado assegurou que nada foi feito de forma oculta ou às escondidas como agora se pretende fazer crer, acrescentando que estavam em preparação os Decretos Presidenciais para a autorização e formalização desse processo.

O antigo governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Valter Filipe, nas suas declarações iniciais em tribunal, defendeu que a operação da transferência dos 500 milhões de dólares para uma conta do Credit Suisse de Londres, com o objectivo de financiar um plano de financiamento internacional de 30 mil milhões em infra-estruturas em Angola, tinha sido legal.

Entretanto, os 500 milhões USD antes transferidos, acabaram por retornar ao país por decisão do novo Executivo, que optou por cancelar a operação antes aprovada por José Eduardo dos Santos.

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