DANIEL FOI ABANDONADO PELA MÃE BIOLÓGICA NUM HOSPITAL E HOJE TEM UMA NOVA FAMÍLIA

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Daniel (nome fictício) foi abandonado pela mãe biológica quando tinha 1 ano e nove meses de vida, no Hospital Américo Boavida, onde deu entrada com graves complicações de saúde, devido a uma anemia severa.

Ao ver o estado crítico do menor, a mãe biológica deixou-o sob os cuidados da equipa médica, colocou-se em fuga e nunca mais regressou.

Devido às complicações provocadas pela má nutrição e o facto de nenhum familiar ter aparecido no local, Daniel manteve-se no hospital por cerca de quatro anos, porque ainda necessitava de cuidados médicos e, por este motivo, não foi encaminhado a um lar de acolhimento.

QUADRA FESTIVA

Em Dezembro de 2022, uma funcionária do referido hospital se compadeceu com a situação de Daniel, ao notar que todas as crianças da área em que se encontrava tinham recebido alta. Resolveu então levar o menor à casa, para que passasse o Natal em família. “O objectivo era proporcionar um Natal diferente, evitando que ele passasse o dia sozinho”, lembra.

A princípio, explicou a funcionária, que preferiu não ser identificada, informei a direcção do Hospital e posteriormente redigi dois documentos, um termo de responsabilidade, onde assumia qualquer dano que acontecesse com o menor e outro de garantia, que o menino regressava à unidade sanitária. “Tive uma resposta positiva de imediato”, disse.

“Levei o Daniel para casa e tudo correu como planeado. Ele se familiarizou com o meu esposo e o meu filho de 19 anos, logo no primeiro instante, e me senti muito feliz por proporcionar momentos de alegria ao menino”.

PEDIDO INESPERADO

Terminada a quadra festiva, continuou, chegou o dia em que o menino teria que regressar ao hospital, conforme planeado, mas o inesperado aconteceu. “Daniel correu para os braços do meu esposo e disse: papá, eu já não quero voltar ao Hospital, quero ficar aqui contigo e espero que não me abandones”.

Ouvir aquelas palavras de uma criança, continuou, feriu os nossos corações, nos sentimos comovidos e a partir daquele momento decidimos ficar com o Daniel.

No hospital, informou a direcção que o menino não queria regressar e manifestou o desejo de ficar com ele. “Redigi um novo documento, que teve despacho positivo, mas, com a condição de legalizar a criança junto das instituições competentes”, contou.

Como o Instituto Nacional da Criança (INAC) já tinha conhecimento da situação de abandono de Daniel, dirigiu-se à instituição, para informar que a criança que se encontrava no Hospital Américo Boavida em situação de abandono estava com ela e já não queria voltar ao hospital.

“Passados alguns dias, o INAC informou-nos que a criança poderia permanecer sob os nossos cuidados”, disse, acrescentando que dias depois, uma equipa composta por profissionais do INAC e da Acção Social deslocou-se ao Hospital Américo Boavida para formalizar o processo de Daniel.

MOROSIDADE

Passado um ano e quatro meses, o processo de adopção ainda não foi concluído. “O meu filho fará seis anos. Conseguimos fazer a matrícula numa escola sob tutela da Igreja Católica, mas infelizmente o Daniel perde muitas oportunidades e benefícios porque ainda não somos pais, de acordo com a lei”, disse.

Segundo informações do INAC, os assistentes sociais deveriam acompanhar o desenvolvimento, tratamento e o processo de adaptação da criança, mas, até ao momento, ninguém apareceu na residência da família de Daniel.

A entrevistada apelou ao Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher, ao INAC e ao Julgado de Menores, a criarem mecanismos que tornem o processo de adopção menos burocrático, porque a demora leva muitas pessoas a desistirem.

PRESSÃO

Nos últimos dias, informou, a família tem sofrido muita pressão por parte do menor, que questiona a razão porque o irmão mais velho tem o sobrenome dos pais e ele não. “Temos conversado e tentamos explicar que ele ainda não foi registado, mas não tem sido o suficiente, porque ele é muito inteligente e observador”.

CRÍTICAS

A funcionária lamentou o facto de ter recebido muitas críticas por parte de familiares e amigos. “Infelizmente, a sociedade ainda não está preparada para ver pessoas adoptarem crianças. Fomos muito criticados, sobretudo porque a criança padece de uma patologia. Tenho um filho biológico e estes indivíduos diziam que era melhor fazer um filho biológico, mas nós sabíamos o que estávamos a fazer”, garantiu.

A profissional de Saúde argumenta que os pais são aqueles que criam, cuidam, dão amor, carinho, educação, protecção, que corrige e lida com a criança no dia-a-dia, ao contrário do que acontece com muitos pais biológicos.

ALEGRIA DE CASA

A funcionária do Américo Boavida conta que, em pouco tempo, Daniel se tornou a alegria de todos de casa. “É uma criança muito inteligente, carinhosa, atenciosa e com muito amor para dar”.

Ainda sobre a reacção da sociedade, a funcionária disse que, muitas vezes, o que falta para que alguém adopte uma criança é a coragem e o medo do que as outras pessoas vão dizer.

“Se cada um de nós fizesse a sua parte, tirando uma criança desta situação de abandono, acredito que o número de crianças nos lares reduziria consideravelmente, porque ser solidário com esta franja da sociedade não é só dar de comer na época natalícia”, disse.

AMOR À PRIMEIRA VISTA

António (nome fictício) e a esposa sentiram a necessidade de querer cuidar e educar uma criança para que futuramente fosse útil na sociedade. O casal deslocou-se à Direcção Municipal da Acção Social de Talatona, onde recebeu toda a informação sobre os trâmites legais.

Posteriormente, contou António, foi feita a inscrição obrigatória por meio de um requerimento e a entrega dos documentos exigidos, nomeadamente, os atestados médicos e de residência, cópia do bilhete de identidade, duas fotografias e a declaração de serviço. “No acto de entrega dos documentos, preenchemos um formulário a indicar as características, idade e o sexo da criança que pretendíamos adoptar”, explicou.

Por duas vezes, a Direcção Municipal da Acção Social de Talatona ligou a informar que havia crianças disponíveis, mas estas não correspondiam às características que solicitaram. Queríamos um menor com até três anos de idade, por isso, decidimos aguardar por mais algum tempo”, conta António.

Em Janeiro deste ano, depois de muito tempo de espera, o casal foi contactado pela Administração Municipal, a dizer que havia uma criança disponível num dos lares de acolhimento, convidando-os a efectuar uma visita ao referido lar.

“Reiteramos o desejo de adoptar a criança junto da Direcção Municipal da Acção Social, de onde recebemos um documento para visitar o lar e conhecer a menina”, disse. “Fomos bem-recebidos no centro. Entregamos a carta. O primeiro contacto foi com uma psicóloga, que explicou o processo e como tem sido a reacção das crianças no primeiro encontro com a nova família”.

O casal foi colocado numa sala, onde ficou para conhecer a menina. “Ficamos por um período de aproximadamente uma hora. Foi amor à primeira vista. Entregamos a menina e ligamos para o funcionário da Acção Social, que estava directamente ligado ao caso, para informarmos o desejo de ficar com a menina”, lembra.

PROCESSO DE EMPATIA

Posteriormente, disse, demos início ao processo de empatia, que consiste na realização de visitas ao lar, por duas ou três na semana.

Neste período de visitas, o processo legal já decorria no Julgado de Menores. “Depois de duas semanas, fomos ao Julgado de Menores para fazer a entrevista. Posteriormente, a instituição emitiu o documento que indicava a data em que iríamos ao lar buscar a menina e assim ocorreu”, disse.

MOMENTO ESPERADO

No dia 28 de Fevereiro, o casal deslocou-se ao lar com um oficial de Justiça e assistentes sociais para fazer a entrega dos documentos, na presença de uma representante da Acção Social do município. Depois do contacto com a psicóloga, a criança foi entregue à nova família.

 “A menina está connosco. É uma experiência muito boa. Ela foi recebida com muito amor, porque sabíamos, desde o início, o que estávamos a fazer. Nos apaixonámos por ela desde o primeiro instante e ela e o irmão mais novo tem sido a alegria de casa”.

ADAPTAÇÃO

António conta que a filha é uma excelente menina, que se adaptou à nova família em menos de uma semana. “A convivência tem sido normal. Ela recebe o mesmo tratamento que damos ao nosso filho biológico”, disse.

“Muitas vezes, nos impressionamos com a união que ela tem com o irmão. A menina está com três anos e o menino com dois, são muito apegados, estão sempre juntos, cuidando e demonstrando muito amor e carinho um pelo outro”, conta.

PACIÊNCIA

António disse que o processo de adopção não é moroso. No seu entender, depende de cada um encontrar a criança que corresponda aos desejos dos solicitantes. “Queríamos uma criança com idades compreendidas entre os zero e três anos e estava difícil de ser encontrada”, sublinhou.

Segundo António, a criança que tem uma família é mais feliz do que a que vive num lar de acolhimento. Por isso,  aconselha as pessoas a visitarem os lares de acolhimento de menores e se informarem sobre o processo de adopção.

“Se cada um de nós pudesse adoptar uma criança, diminuiríamos consideravelmente os riscos de termos um número elevado de pessoas iletradas e marginais, porque muitas crescem nas ruas ou ficam com transtornos mentais por crescerem sabendo que foram abandonadas pelas próprias famílias. O lugar da criança é no seio familiar e não num centro de acolhimento”, concluiu.

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